quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Alcochete - breve resenha histórica





Não é conhecida de forma segura a origem do povoado que veio a ser chamado de Alcochete; não obstante, atendendo não só à circunstância de o seu nome ser precedido de "al", o que indicia uma origem árabe, como a circunstância de existir na alma do povo uma certa tradição moira – no bairro mais antigo das barrocas há mesmo um Largo da Cova da Moira – bem como a geografia do próprio povoado, com pátios, ruas estreitas e a própria tradição do fado, que alguns afirmam ter origem árabe, nomeadamente tendo em atenção a semelhança entre a guitarra portuguesa, tal como a conhecemos hoje, e o alaúde.

Assim, tendo como assente a origem do povoado, há quem diga que o topónimo Alcochete parece derivar de uma expressão árabe que significa “o forno”, mas desconhecem-se vestígios materiais desse período; todavia, há também quem tenha uma teoria diversa, invocando Frei João de Sousa, o qual afirma no seu livro “Vestígios da língua arábica em Portugal” que o nome Alcochete provém da palavra composta Alcaxête (alca xête), o que significaria “axada da ovelha”, sendo que axada ou achada quereria então referir-se a “planície, descampado, terra baixa ou plana”, pelo que seria de presumir que axada de ovelha poderia ser um campo plano onde se pastavam ovelhas. 






Ainda que as referências citadas possam não fazer muito sentido actualmente, a verdade é que "planície ou terra baixa" - com ou sem ovelhas - é bem o retrato que conhecemos da morfologia de Alcochete e que, conjugado com a sua situação junto ao rio e as potencialidades em termos de exploração do sal, terão estado na origem da sua fundação.

Dando como boa a origem árabe da povoação, poderemos também presumir que seja contemporânea ou pouco posterior à conquista de Lisboa pelos Mouros, no ano de 714, atendendo à sua situação estratégica e económica (tal como Almada, considerando ser  esta um bom ponto de passagem entre o norte e sul, visto que é relativamente pequena a distância entre as margens, com bons locais para movimentação de barcos, quer com bens ou armamento quer com pessoas), enquanto que Alcochete seria a ligação com as vastas terras do sul do Tejo até Évora e daqui a Espanha.

Depois da reconquista (séculos XII e XIII), e após a reactivação da povoação, decorrente do êxodo dos árabes para Sul (nomeadamente para Évora), que a terá deixado praticamente deserta, Alcochete passou a fazer parte da vasta área de Riba Tejo, dominada pela Ordem de Santiago. Entre a Ribeira de Coina e a Ribeira das Enguias existiam já no Século XIII várias póvoas ribeirinhas que se dedicavam à salicultura e à produção de vinho e que formavam o concelho de Ripa Tagi (Riba Tejo). Pensa-se que a sede deste concelho coincidia com a sede paroquial de Santa Maria de Sabonha, cuja igreja se localizava na actual freguesia de São Francisco, onde no século XVI foi construído um convento, de que apenas uma parte ainda pode ser apreciada.

No século XV, Alcochete transforma-se na estância de repouso preferida pela corte da época, seduzida pelos bons ares e pela abundância de caça na região - para além de ser considerada um local seguro em alturas de epidemias que ocasionalmente assolavam a capital, incluindo a peste.

O rei D. João I (reinou entre 1385 e 1433) vinha descansar a Alcochete, com frequência.




O Infante D. Fernando escolheu-o para residir e aqui veio a nascer o seu filho, que veio a ser o último dos grandes Reis de Portugal: D. Manuel I, O Venturoso (1495-1521):

"Do tempo em que D. Manuel nasceu e do milagre que Deus por ele fez - Dom Manuel, de gloriosa memória, nasceu na vila de Alcochete, em Riba Tejo, numa quinta-feira, derradeiro dia de Maio do ano do Senhor de 1469, dia em que caiu a solene festa do Corpo de Deus. E parece que houve em seu nascimento mistério, porque já há alguns dias antes a Infanta D. Beatriz, sua mãe, andava com dores, sem poder parir, e quis Nosso Senhor alumiá-la no Santa Sacramento, chegando à porta de sua casa, por onde passava a Procissão. E puseram-lhe o nome Manuel por esse dia ser da invocação do venerável Sacramento (...)" - Damião de Góis, Crónica de D. Manuel I.



D. João II (1481-1495) partilhava a mesma preferência e aqui passava longos períodos com a sua esposa, D. Leonor, motivando assim alguma nobreza a estabelecer-se nesta vila ribeirinha.



Dos finais de quatrocentos aos finais de setecentos, a vila ter-se-á desenvolvido, primeiro à sombra da protecção régia, após a concessão do foral manuelino de 1515, e depois em torno de uma nobreza que possuía vastos domínios dentro e fora do termo da vila.

O povoado foi decerto marcado pela epopeia dos Descobrimentos, quer no plano económico, como fornecedor de madeiras à capital, quer na paisagem do quotidiano, povoado de novos produtos e novas gentes.


O período áureo quinhentista está patente nas obras da Igreja Matriz, no retábulo da Igreja da Misericórdia, na bandeira da Misericórdia, no retábulo da Igreja da Misericórdia, na construção da Capela da Senhora da Vida, na fundação do Convento dos Recolectos da Ordem de São Francisco.

                                                        a igreja Matriz, no topo nascente do Largo de S. João

Encontra-se também documentada a existência de um forno de produção de vidro na Barroca D’ Alva, bem como de telha e cal, não só nesta localidade como em Pancas.

Nos séculos seguintes Alcochete tornou-se um importante centro produtor de sal, que ainda hoje se mantém mas de forma incipiente, o que sustentou o desenvolvimento económico do concelho. Assim, em meados do Século XVIII navegavam do porto de Alcochete para Lisboa barcas carregadas de sal, lenha e carvão. De salientar ainda, neste século, as valiosas iniciativas e benfeitorias do industrial Jacôme Ratton na Barroca D’ Alva, onde chegou a criar um viveiro de amoreiras brancas tendo em vista as necessidades da Real Fábrica de Seda (ao largo do Rato, em Lisboa)

O século XIX foi marcado pela perda e posterior restauração da autonomia do concelho, motivadoras de fortes reacções populares e pala acção filantrópica e protectora do 3º Barão de Samora Correia à Misericórdia local, a quem doou avultados bens, entre os quais um palácio onde viria a ser instalado um asilo para idosos, instituição que ainda hoje se mantém no Largo que homenageia o referido benemérito.

A decadência progressiva da pesca, da navegação fluvial e da salicultura fez-se sentir a partir de meados do século XX, passando a predominar a agricultura e alguma actividade industrial, empregadoras de um concelho demograficamente estável.

Com efeito, até meados do século XX existiu um cais de embarque, agora desactivado, que fazia a ligação com Lisboa:


Todavia, com a construção da Ponte sobre o Tejo, que abriu a ligação entre as duas margens do rio, a sua importância decaíu, enquanto que por outro lado o sal marinho veio a ser substituído pelo sal gema e a pesca sofreu enormemente com a poluição das águas do Tejo - tudo com significativas consequências para a economia de Alcochete.

A identidade colectiva de Alcochete centra-se hoje na afirmação das colectividades ligadas à música e ao desporto, nas tradições de cariz ribatejano de exaltação ao touro, ao cavalo e ao campino, nas festividades religiosas ligadas ao culto de São João e de Nossa Senhora da Atalaia, com grande cunho popular e forte adesão popular.



Com a construção da Ponte Vasco da Gama e consequente melhoria dos acessos à margem Norte verificou-se uma aumento significativo da população, em busca de tranquilidade e bons ares, não obstante o que Alcochete continua a respirar nos bairros do seu núcleo histórico, as vivências e as vocações consolidadas ao longo dos séculos e que são um fortíssimo factor de coesão e identidade social.

 

5 comentários:

  1. acho a cidade super simpática. Gostei de saber mais sobre ela.

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  2. Muito bom.
    Gosto da recolha de imagens do passado e das imagens hodiernas.
    Alcochete tem história e estórias.
    O teu blogue dá conta da história (de um modo simples e direto, como convém).

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